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Ponto de Fuga

Ponto de Fuga

Um elogio à D. Helena

Silves, Algarve

23.01.23 | Miguel Frazão

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Em dezembro contactei o António como quem envia uma mensagem a um ídolo. Sem expectativas. No fundo, havia uma réstia de esperança. A suficiente para me fazer carregar no botão de enviar mensagem. A resposta apareceu no dia seguinte, depois de me surgir um novo impulso que me dava sinal para insistir. “Temos algum trabalho no terreno”, disse. Acordo fechado. Duas noites em troca de ajuda na quinta.

Abriram-me a porta de casa sem me conhecer. O autocarro que saiu de Lisboa em direção a Silves levou-me a apreciar as planícies alentejanas, despertando o desejo de me aventurar a percorrer o Alentejo de comboio. Perto das 12h parámos em São Bartolomeu de Messines. “Senhores passageiros, dez minutos para ir à casa de banho”, diz o motorista ao microfone. Meia hora depois estou em Silves.

O Horta Grande Hostel fica a 500 metros da paragem de autocarro. Vejo o portão pintado de azul. Aproximo-me. Pela primeira vez sinto receio. Ligo ao António. É a mãe quem me abre a porta. Chama-se Helena. Apresentou-me o espaço com um detalhe e um cuidado que de imediato nos ligou. Mais ao fundo, no terreno, o Francis apanhava laranjas. “Hello Michael”, cumprimentou-me assim que se juntou a nós. Fiquei a saber que iriamos partilhar quarto nas duas noites que se seguiam.

Sou recebido com um chá feito pelo Francis. Água quente, folhas de lúcia-lima e uma fina rodela de limão. Depois do almoço começo a conhecer verdadeiramente a D. Helena. Passeámos pelo terreno. “A tua tarefa será cortar os ramos secos das laranjeiras”, informou-me. São mais de cinquenta laranjeiras. Mas não é para tratar de todas. Calcei umas botas 46, vesti o colete no qual ainda se lia o nome da fábrica onde o marido da D. Helena, o Sr. Manuel, trabalhou. Estou pronto.

Durante aquele fim de semana tive como vizinho o Arade, o rio que nasce na Serra do Caldeirão e passa em Silves dirigindo-se para a foz, em Portimão. Foi através do rio que, em 1189, uma frota de cruzados que rumava para Jerusalém se juntou aos portugueses que se preparavam para conquistar Silves aos mouros. Tudo a pedido de D. Sancho I. O castelo fascina-me. Andei pelas muralhas. Entrei no Algibe, a cisterna que tinha capacidade para abastecer a cidade com mais de um milhão de litros de água.

A D. Helena, sem sair do hostel, guiou-me pela cidade. Através do conhecimento e da forma como o transmitia. Sem julgar. Demonstrou também o seu amor à quinta. Foi comprada pelos seus pais. Quando lá chegou, o abacateiro que hoje se aproxima dos 200 anos já era um sucesso. As laranjeiras e tangerineiras carregadas de citrinos também já existiam na década de 70. Tanto as laranjas como as tangerinas e clementinas eram muito doces. É do tempo de exposição ao sol.

Falta pouco mais de uma hora para regressar a Lisboa. A D. Helena entrega-me um saco com produtos da horta. No autocarro posso apenas levar duas malas. De momento, tenho três: a mochila, o trólei e o saco. Decido vestir dois pares de calças. Faço o mesmo com os polares e ainda acrescento um casaco. O saco vai ao pé de mim. Chego a Lisboa. As laranjas, tangerinas, os abacates, os vasos com as tanchagens e as aloé e vera que afinal são só aloés percorrem ainda a linha azul do metro até à Baixa-Chiado. Trocam para a linha verde com direção ao Cais do Sodré e apanham o comboio da linha de Cascais. A D. Helena apresentou-lhes o Arade, eu mostro-lhes o Tejo.