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Ponto de Fuga

Ponto de Fuga

Beja: A planície fértil onde todos foram bem-vindos (ou quase todos)

29.05.23 | Miguel Frazão

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A aproximação às terras do chamado Baixo-Alentejo define-se pela alteração das cores dos campos que as rodeiam, onde o habitual esverdeado contrasta com algumas áreas em tons de castanho. Entro em Beja, com os campos de um lado e um bairro que ali se formou mais recentemente do outro. É uma das regiões alentejanas mais férteis, não fosse o acastanhado dos terrenos símbolo dos famosos barros negros, conhecidos pela sua fertilidade.

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A zona histórica de Beja esconde-se entre um conjunto de construções contemporâneas que hoje acolhem aqueles que ao longo dos anos foram repovoando a cidade.

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Por lá passaram gentes da Idade do Ferro, romanos, visigodos, muçulmanos, judeus e cristãos. A riqueza dos solos e a proximidade ao Guadiana fizeram de Beja uma cidade povoada desde muito cedo.

Quando o autocarro parou na Estação Rodoviária tinha apenas na memória algumas fotografias que vira de Beja na véspera da viagem. Uma vez que a cidade é relativamente pequena aventurei-me a percorrê-la na expectativa de confrontar as tais fotografias com a realidade. Ao sair da Rodoviária, depois da rotunda, é sempre a subir.

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Portas de Mértola

As Portas de Mértola são, e passo a redundância, uma das portas de entrada na cidade histórica de Beja. Atualmente vêem-se apenas os torreões, estando em falta o arco que os unia, passando por cima da estrada em calçada.

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Trata-se de uma herança dos romanos. Mas há mais. Junto ao Castelo, em zonas diferentes, existem ainda as Portas de Évora e de Avis, cuja construção permanece intacta. Já das Portas de Aljustrel não são conhecidos vestígios.

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Praça Capitão João Francisco de Sousa

Enquanto percorro a Rua de Mértola, ainda antes de chegar às portas, decido virar à esquerda e explorar a zona comercial, que se ergue na Praça Capitão João Francisco de Sousa.

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É domingo e, ao contrário dos restantes dias da semana, a praça tem muito pouco movimento.

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Continuo agora rumo ao castelo, seguindo as setas que vou encontrando na estrada, mas, pelo caminho, deparo-me com a Praça da República.

Praça da República

Mais uma vez, a ausência de movimento naquela que se assume como a praça principal de Beja surpreende-me. No tempo dos romanos fora o Fórum da cidade, tornando-se novamente numa zona central após a Idade Média e o período Islâmico.

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Encontro apenas um grupo que se distribui por várias cadeiras, formando um círculo, junto ao pelourinho. O pelourinho que podemos apreciar numa das pontas da praça está ali desde o século XIX, tratando-se de uma réplica. A versão original do monumento encontra-se no interior do castelo, apesar de não estar intacta.

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Do outro lado da praça, junto ao edifício da Câmara Municipal, observo a Igreja da Misericórdia, testemunho do renascimento italiano em Portugal.

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Sento-me algures num banco e olho à minha volta. Os edifícios têm todos a mesma altura. Trata-se de uma regra. Todas as casas construídas ali tinham de ter dois pisos.

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Mouraria e Judiaria

A manhã está a chegar ao fim e depois de ter já confrontado algumas das imagens que vi de Beja com a realidade, preparo-me para conhecer o resto da cidade de uma outra forma. Enquanto sigo até ao castelo, onde tenho encontro marcado com o Paulo Alves, atravesso as Portas de Moura e a Rua da Muralha, que pertencem à Mouraria.

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Para chegar ao castelo percorro a Rua da Guia, que, por sua vez, está integrada na Judiaria.

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A existência de bairros como a Mouraria e a Judiaria são exemplos de que em Beja conviveram islâmicos, judeus e cristãos.

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Não viveram num constante clima de paz, até porque Beja esteve tanto sob o domínio dos mouros, como dos cristãos, mas a verdade é que ambas as religiões coexistiram no mesmo espaço durante um longo período de tempo.

Castelo e torre de menagem

Já no interior do castelo encontro-me com o Paulo, da Tuk Forever, com quem vou dar um passeio no único Tuk Tuk que existe em Beja.

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Primeiro, subimos juntos os mais de 200 degraus que nos permitem chegar ao topo da torre de menagem, uma construção do estilo gótico e a mais alta torre de menagem da Península Ibérica.

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Enquanto tentamos alcançar os 40 metros de altura da torre, deparamo-nos com as pedras que dão forma ao monumento, assim como às inscrições que lá se encontram. A essas inscrições damos-lhe o nome de marcas de canteiro. Eram uma forma de os canteiros (construtores) saberem que pedras tinham colocado na construção para serem pagos pelo seu trabalho.

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Depois de visitar a Torre de Menagem caminhámos pelas muralhas do castelo, construídas logo após a reconquista cristã, no tempo de D. Sancho I, em meados do século XIII.

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Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja

Mesmo ao lado do castelo e ainda antes de partirmos à aventura no Tuk Tuk entrámos no Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja, onde, tal como o nome indica, podemos encontrar vestígios da presença dos visigodos na cidade.

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Note-se que apesar de o museu estar situado ao lado do castelo, ele encontra-se fora das suas muralhas, até porque a exposição que podemos visitar foi acolhida pela antiga Igreja de Santo Amaro, construída pela comunidade cristã no período islâmico.

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Na altura, os cristãos podiam apenas exercer o seu culto em igrejas fora das muralhas da cidade. Assim, a Igreja de Santo Amaro é mais uma prova de que cristãos e árabes conseguiam conviver no mesmo espaço.  Agora sim, estou pronto para entrar na viatura do Paulo. Com o cinto de segurança bem apertado, já que a calçada que define o traçado das estradas promete alguns saltos, começamos a percorrer as ruas de Beja.

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Museu Rainha D. Leonor

O Museu Rainha D. Leonor foi um dos nossos pontos de paragem no passeio de Tuk Tuk. O museu está atualmente em obras, pelo que não se pode visitá-lo, mas não se perde nada em reservar algum tempo para admirar a porta Manuelina do antigo Convento Nossa Senhora da Conceição.

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Foi lá que viveu Mariana Alcoforado, a autora das famosas cartas enviadas a Noel Bouton (deram origem a um livro chamado Cartas Portuguesas da Soror Mariana Alcoforado), um elemento das tropas envolvidas na Guerra da Restauração, por quem a portuguesa se apaixonou depois de o ver através da janela do convento.

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O Convento Nossa Senhora da Conceição era destinado às mulheres, enquanto o Convento de São Francisco, hoje transformado em Pousada, recebia apenas homens.

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Núcleo Museológico Rua do Sembrano

Perto do Museu Rainha D. Leonor e do Teatro Municipal Pax Júlia encontra-se o Núcleo Museológico da Rua do Sembrano. Arrisco-me a dizer que foi o museu que mais me conquistou em Beja. Ao contrário do que é habitual nos museus, em que aquilo que pretendemos ver se encontra ao nosso lado ou à frente, aqui a exposição está debaixo dos nossos pés. Com o chão em vidro, podemos observar ruínas romanas e outras mais antigas que vêm demonstrar que Beja está habitada desde o início do século IV a.c, bem antes da ocupação romana, que nos remete para o século II a.c.

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Jardim Gago Coutinho e Sacadura Cabral

De volta à viatura, o Paulo guia-me agora pela restante cidade. À minha direita surge o Jardim Gago Coutinho e Sacadura Cabral, no qual ainda tive oportunidade de entrar. Junto ao lago, uma criança brinca com os patos.

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Nos bancos à volta do coreto, há quem se sente a ouvir o relato do jogo de futebol transmitido através dos altifalantes ali existentes.

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Ao Jardim Público segue-se a passagem pela biblioteca, pelo Parque de Feiras e Exposições, assim como pelo Parque da Cidade.

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Beja está vista, mas há que regressar porque relativamente perto está a Vila Romana de Pisões e a agora famosa Praia Fluvial Cinco Reis. Para isso precisarei de uma boleia ou uma bicicleta. Como me disse o Paulo, são dez quilómetros de uma estrada “desafiante”.

Texto e fotos: Miguel Frazão

A visita guiada à cidade foi-me oferecida pelo Paulo Alves, da Tuk Forever. As reservas dos passeios podem ser feitas no Posto de Turismo de Beja. 

Vila Viçosa: Do mármore aos bolos fintos, passando pelos Duques de Bragança

11.05.23 | Miguel Frazão

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Vila Viçosa não foi um destino novo para mim. A primeira vez que lá fui tinha eu dois meses. A última tinha 14 anos. Até lá não falhei um único verão. Sete anos depois regressei, e apesar de a vila estar mais ou menos na mesma, visitei-a com um novo olhar.

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Quando era pequeno já tinha ido ao Paço Ducal e a minha única memória era a cozinha, talvez por ser uma das maiores da Europa. Também já tinha visitado o castelo e o Museu de Arqueologia e da Caça.

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Na altura, Vila Viçosa resumia-se para mim às piscinas e aos gelados da D. Eugénia, da Pastelaria Azul. Chegar à vila e ouvir a rádio nos altifalantes era sinal de que as piscinas estavam abertas e prontas para me receber. Todos os anos chegava lá na expectativa de encontrar algo diferente, desde a pintura dos ferros que tinha passado de azul a vermelho, aos chapéus de sol que uma vez eram de palha e depois deixaram de ser, ao nadador salvador que ia sempre mudando. Desta vez, as piscinas nem sequer estavam nos planos, não por ainda estarem fechadas, mas porque os meus interesses agora eram outros.

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Cheguei a Vila Viçosa ao fim da tarde de sábado para que pudesse dedicar todo o domingo a explorar o centro histórico. Acordei bem cedo até porque a Tapada do Padre Rosa, onde a Maria João e o Pedro me acolheram, fica a cerca de 3km da vila.

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Da Tapada do Padre Rosa a Vila Viçosa

Deixo a Tapada do Padre Rosa na companhia da Sissi e do Rui Paquito, a cadela e o cão da Maria João e do Pedro, que decidem seguir os meus passos nos primeiros metros de caminhada.

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O percurso entre a Tapada do Padre Rosa e Vila Viçosa faz-se por uma estrada cujas laterais são definidas pelos montes.

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As poucas construções pelas quais vou passando remetem-nos para os anos 50 do século XIX.

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A Tapada do Padre Rosa também é da mesma época. Na verdade, o Padre Rosa nunca chegou a ser Padre porque frequentou o seminário, mas não o concluiu. No entanto, as pessoas da vila sempre o assumiram como tal. Aos poucos começo a ver o Campo de Tiro de Vila Viçosa, onde um grupo de pessoas joga à malha, e aproximo-me da vila.

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Praça da República

Agora que entrei na vila, o meu destino é o Palácio Ducal. Depois de passar pelo Mercado Municipal atravesso a Praça da República.

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É um dos pontos principais da vila. Numa das pontas ergue-se a Igreja de São Bartolomeu, na outra, o castelo. A calçada portuguesa está presente tanto na praça, como nas restantes ruas do centro histórico.

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Também é lá que encontramos o busto de Florbela Espanca, a poetisa que popularizou Vila Viçosa. No entanto, para ver a casa onde a também pioneira do movimento feminista em Portugal viveu, há que percorrer a Rua Florbela Espanca.

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Rua Florbela Espanca

A Rua Florbela Espanca liga a Praça da República ao meu destino final, o Palácio Ducal. Na verdade, já lá tinha passado na véspera. A Maria João e o Pedro levaram-me a jantar no restaurante que partilha do mesmo nome da rua onde está situado.

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Visto de fora o espaço parecia pequeno, mas à entrada a perspetiva já era outra. Foi lá que provei e aprovei migas de espargos e carne de porco à alentejana. Num só jantar conheci um pouco da cultura árabe, através das migas, e da cultura celta, graças à carne de porco à alentejana, já que foram os celtas que trouxeram para o Alentejo a carne de porco através da tradição da caça e da pastorícia. Na manhã em que passei à porta do Restaurante Florbela Espanca durante a minha caminhada, lá estava o dono, que conheci na noite anterior, a preparar tudo para o almoço de domingo. O Zé Sobras, como é carinhosamente conhecido, não gosta que se deixe comida no prato.

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Paço Ducal de Vila Viçosa

O Paço Ducal surpreende pelo tamanho. São 110 metros de fachada.

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O calor que se faz sentir na rua contrasta com o ar fresco que circula lá dentro. Trata-se de um espaço de múltiplas histórias.

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A cozinha é a maior da Europa. Não em tamanho, mas por ter mais de 600 peças em cobre. De três em três anos, uma equipa de 6 pessoas dedica-se durante um mês à limpeza de todas as peças e o processo decorre à frente dos visitantes para que estes possam acompanhar de perto.

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A decoração do palácio não é igual à da época em que ele era utilizado como residência de férias. Ou melhor, a mobília é a mesma, mas a sua disposição é diferente. Só quando os monarcas se deslocavam a Vila Viçosa é que o espaço era mobilado, pelo que o fim da monarquia ditou o encerramento do Paço Ducal e a retirada de todos os móveis e elementos decorativos. Reabriu apenas nos anos 40 do século passado por vontade de D. Manuel II expressa em testamento. O edifício pertence agora à Fundação da Casa de Bragança.

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Saio do palácio bem perto da hora de almoço, mas antes de seguir viagem faço ainda uma visita à Coleção de Carruagens, onde se pode ver a viatura em que D. Carlos circulava quando foi assassinado em Lisboa a 1 de fevereiro de 1908.

 

Estação ferroviária de Vila Viçosa

A tarde começou com uma visita ao exterior da antiga Estação Ferroviária de Vila Viçosa.

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Os poucos metros de carris que ainda sobram estão agora enferrujados e praticamente cobertos de ervas.

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Em oposição, o interior da estação transformou-se no Museu Agrícola e Etnográfico.

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Em tempos foi também o Museu do Mármore, que atualmente se ergue junto à Pedreira da Gradinha, na saída para Borba. O mármore é um dos símbolos de Vila Viçosa, Borba e Estremoz. Das pedreiras destas três regiões alentejanas, o mármore português chega a todo o mundo.

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Castelo de Vila Viçosa

Escolho fazer o caminho mais longo para chegar ao castelo, passando primeiro pela Praça de Touros e pelo Largo dos Capuchos.

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No castelo, o passeio faz-se pelas muralhas, edificadas a pedido de D. Dinis.

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O percurso das muralhas é circular. Vê-se a Praça da República, o Paço Ducal, muito campo e as pedreiras de Borba.

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Vila Viçosa esteve sob o domínio de Castela até voltar a ser portuguesa após a Batalha de Aljubarrota.

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No fim da crise de 1383-1385, Vila Viçosa foi entregue por D. João I a D. Nuno Álvares Pereira, que, por sua vez, doou a vila ao neto, D. Fernando, conde de Arraiolos e mais tarde Duque de Bragança. Foi a partir desta altura que os Duques de Bragança passaram a frequentar a região, tendo como residência a alcáçova do castelo até se iniciar a construção do Paço Ducal. É na alcáçova do Castelo que agora se encontra o Museu de Arqueologia e da Caça, também eles propriedade da Fundação da Casa de Bragança.

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Pastelaria Azul

O dia está a terminar e antes de regressar à Tapada do Padre Rosa para a minha última noite em Vila Viçosa fiz a habitual visita à Pastelaria Azul.

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A D. Eugénia e o Toi continuavam na pastelaria tal como na última vez que lá tinha ido, há sete anos. Reavivámos memórias, enquanto matava saudades dos bolos fintos que há tanto não comia. A velha máquina dos gelados que continua a ser uma das maiores atrações de Vila Viçosa ainda não estava a funcionar, mas os gelados ficam para o verão, até porque prometi regressar à vila num intervalo de tempo bem mais curto do que aquele que deixei passar entre 2016 e 2023.   

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Texto e Fotos: Miguel Frazão

A estadia foi oferecida pela Tapada do Padre Rosa e as entradas no Paço Ducal, Coleção de Carruagens, Museu de Arqueologia e da Caça foram asseguradas pela Fundação da Casa de Bragança.