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Ponto de Fuga

Ponto de Fuga

No paraíso também se travam batalhas

Ilha da Armona, Algarve

28.08.23 | Miguel Frazão

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Ainda me lembro de quando era mais pequeno do que sou agora ficar de lágrimas nos olhos assim que chegava ao último dia de férias no Algarve. Sentia-me bem ali. Era o ar quente que se misturava com o cheiro a sardinhas grelhadas e criava aquilo a que chamava “cheiro a Algarve”. As férias não se resumem à casa dos meus avós, em Altura. São as idas a Vila Real de Santo António, que podem acabar nas ruas de Ayamonte, na vizinha Espanha; as caminhadas pela praia e os passeios de bicicleta que me levam a ver ao longe a Praia da Fábrica, que durante muitos anos fez parte do nosso roteiro, mas com o tempo foi sendo trocada por outros planos. 

À medida que fui crescendo comecei a explorar outras regiões do sotavento e Olhão tornou-se também “casa”, sobretudo pelas pessoas a quem agora associo a cidade cubista. Em abril conheci a Cristina e o Alexandre. Conversámos muito sobre o Algarve e os nossos projetos. Olhão é o meu ponto de partida para explorar as ilhas da Culatra, do Farol e da Armona. Faltava-me conhecer esta última.

No início do mês, a mãe do Alexandre e da Cristina acolheu-me na sua casa para que pudesse fazer a visita à ilha da Armona. Naquela manhã o calor prometia apertar. Já tinha feito a minha corrida matinal e apesar de estar com as horas contadas, a D. Clementina convidou-me a acompanhá-la no pequeno almoço. O meu pensamento dividia-se entre a preocupação de chegar a tempo para apanhar o barco e de arranjar o tema para a reportagem em direto que iria fazer dentro de uma hora para a Rádio Portimão.

O trajeto até à Armona não demorou mais de 15 minutos. Desembarco de máquina fotográfica na mão e tento passar por entre os restantes passageiros que se ocupam de transportar guarda-sóis e geleiras para passar ali todo o dia e fazer render o dinheiro despendido nas viagens de barco.

Até alcançar a praia percorri a longa passadeira em pedra que liga a zona de embarque ao areal. Pelo caminho fiz alguns desvios para observar as várias casas que se erguem por cima da areia de forma dispersa. Nos quintais a privacidade é quase nula. Qualquer pessoa consegue ver o que ali se passa. As primeiras habitações da Armona foram construídas por pescadores e trabalhadores das indústrias de conservas que faziam o transporte de materiais entre Olhão e a ilha. As casas foram-se acumulando e deixaram de albergar apenas olhanenses e farenses, passando a servir de teto para os lisboetas e restantes turistas nacionais e internacionais que fizeram da Armona um paraíso turístico.

O problema é que no paraíso também se travam batalhas e agora são muitos os que lutam para evitar a demolição das suas casas por se encontrarem fora da área pertencente à Camara Municipal de Olhão. Este seria um bom tema para a reportagem que começaria dentro de instantes na Rádio Portimão, mas acabei por entrevistar os nadadores salvadores, Jéssica e Pedro, que voltaram a virar a minha atenção para a beleza paisagística da Armona.

Os temas fraturantes não devem ser ocultados, no entanto, enquanto as batalhas vão e vêm e tomam o protagonismo, o paraíso estará lá sempre e também não pode ficar esquecido. Faltam dez minutos para o barco e estou atrasado. Corro no sentido oposto ao da maioria das pessoas com a certeza de que um dia regressarei, até porque ainda hei de fazer a pé o percurso entre a Armona e a Fuseta.

Nota: Um especial agradecimento à D. Clementina, assim como à Cristina e ao Alexandre que me recebem sempre tão bem no Al Casa Grande, em Olhão

Mourão: Em "terra de ninguém" há sempre muito por descobrir

02.08.23 | Miguel Frazão

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A beleza da pequena vila de Mourão é muitas vezes abafada pelo protagonismo que se dá à vizinha Monsaraz.

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Ali estamos a 8 km de Espanha. A paisagem é marcada pela alternância entre o campo e o Grande Lago do Alqueva. As águas paradas, o azul claro e, sobretudo, as suas elevadas temperaturas tornam-no especial.

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No entanto, o Alqueva não se resume à sua estética. Naquele domingo passado em Mourão, o lago contribuiu para boas fotografias e para me refrescar um pouco, ainda que a água estivesse morna. Já no ano em que nasci (2002), a construção da barragem do Alqueva estava a resolver um problema bem mais importante: a seca extrema.

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Quando se resolve um problema, criam-se novos. Foi que aconteceu à Aldeia da Luz, que com a construção da barragem ficou submersa pelas águas do Alqueva. Há agora a Nova Aldeia da Luz, construída nos mesmos moldes da antiga, mas acabei por não a visitar, pois Mourão recebeu todo o protagonismo naquele dia.

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Castelo de Mourão

Em Mourão ninguém se perde. Basta ver se nos estamos a afastar ou a aproximar do castelo, que lá no alto orienta o nosso caminho.

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Dá para circular em toda a extensão das muralhas e tive ainda oportunidade de subir às torres, embora não exista grande segurança, dado que a maioria das proteções está destruída.

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Ainda hoje pairam no ar as dúvidas sobre a data de construção do castelo. Diz a inscrição da lápide de fundação que as primeiras pedras se terão erguido algures em 1343, no reinado de D. Afonso IV.

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Mas também há documentos que apontam D. Dinis como o responsável por este património tão importante no período da crise dinástica de 1383-1385, em que Portugal correu o risco de ceder o trono aos espanhóis.

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Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias

Na gíria comum referimo-nos à Igreja sem o “matriz” lá pelo meio. Fica Igreja Nossa Senhora das Candeias. Está integrada no castelo.

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 A porta está aberta e entro para espreitar. Não tiro fotografias por respeito a quem lá está a cumprir a sua devoção religiosa. Sinto apenas o fresco que ameniza a temperatura no seu interior e admiro as pinturas e os elementos decorativos que caracterizam esta igreja do século XVII. O terramoto de 1755 deixou estragos, mas a sua reconstrução a cargo da Ordem de Avis e a intervenção de conservação e restauro nas décadas de 1960 e 1970 deixaram-na com o aspeto que podemos ver hoje.

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Igreja de São Francisco

Assim que deixo o castelo sinto uma espécie de vazio porque sempre que procurei por Mourão na internet, os resultados centravam-se no ponto mais alto da vila ou na praia fluvial, onde só iria mais tarde. Por outro lado, parecia haver uma menor responsabilidade por não ter de contar o tempo para ir aqui ou ali. Estava por minha conta.

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Ao explorar Mourão fui encontrar a Igreja de São Francisco. Foi edificada como capela da Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco e acredita-se que a sua construção tenha terminado algures no reinado de D. João V.  

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Igreja da Misericórdia

A Igreja de São Francisco está ligada à Igreja da Misericórdia por um arco construído recentemente. A sua fundação remete-nos para o ano de 1743.A Igreja está na Praça da República, ao lado do antigo edifício da Casa da Misericórdia.

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Jardim Público

No centro da Praça da República está o Jardim Público. Foi lá que me sentei a almoçar. Durante aquela meia hora ninguém visitou o jardim. No entanto, houve quem me tivesse visto por ali.

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Praia Fluvial de Mourão

A Praia Fluvial de Mourão prometia ser o meu entretém da parte da tarde.

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Para lá chegar precisava de percorrer quase dois quilómetros a pé, com o termómetro a marcar 35 graus. O caminho foi penoso. Por mim passaram alguns carros que desviavam o trajeto para me dar espaço.

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Quem frequentava a praia eram sobretudo os espanhóis. Estamos ali junto da fronteira. Um passadiço de madeira faz a ligação entre o parque de merendas e a praia, que no verão é vigiada. Há chapéus de sol para garantir algumas sombras.

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Na água há um escorrega e uma plataforma para mergulhar.

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Ali as pessoas parecem respeitar a ideia de tranquilidade associada àquele espaço. Fico pela praia um bom par de horas, mas há que regressar a Mourão para apanhar o autocarro de regresso a Lisboa.

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Enquanto não chego à paragem de autocarro, paro para ver a escola e deambular pelo jardim que se encontra mesmo à frente com máquinas de ginásio ao ar livre.

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Saio de Mourão com um grande desejo de regressar. Não só pela paisagem, mas porque sei que a Dona Quinita estará por lá para me receber.