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Ponto de Fuga

Ponto de Fuga

O "outro" silêncio

Entre a Fuseta e a Armona, Algarve

17.10.23 | Miguel Frazão

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“O desconforto de estarmos sós, contendo a língua e limitando-nos simplesmente a ser (…); foi sempre um problema”. É assim que começa o livro que me acompanhou na mais recente viagem ao Algarve e que me incumbiu da tarefa de encontrar o Silêncio na Era do Ruído. Coincidência ou não, naquela manhã de sábado, o autocarro da Rede Expressos que faz a ligação entre Cascais e Faro vinha praticamente vazio. Mas não é desse silêncio que se fala no livro.

Cheguei a Faro com as horas contadas porque em breve teria de apanhar o comboio para a Fuseta (A) e ainda tinha de alcançar o cais, onde iria entrar no barco que me levaria até à ilha. Desejava ver a Antiga Estação Salva-Vidas da Fuseta como quem vai a Paris ver a Torre Eiffel.  

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“Era um bilhete de ida para a ilha”, pedi. “Vai voltar a nado?”, perguntou-me a senhora. Certamente que não. Iria fazer o percurso a pé pela praia entre a Fuseta e a Armona. Para regressar apanharia o barco na Armona em direção a Olhão. O passeio rondava os 10 Km. Não conhecia bem o trajeto e também não sabia se chegaria à Armona a tempo do último barco.

No barco para a Fuseta, o capitão dizia às poucas pessoas que lá estavam dentro que a ilha agora está praticamente deserta. Não há apoios de praia, estão ondas e a maioria dos que vão, decidem logo apanhar o barco para regressar. O cenário confirmou-se. Comecei a caminhar, mas o nevoeiro impedia-me de ver a meta e não conseguia ter noção de quanto faltava para chegar ao fim.

Cruzei-me com as gaivotas, que se deslocavam em bando entre os vários bancos de areia e com alguns casais que aproveitavam a quase ausência de pessoas para se libertarem das suas roupas e máscaras sociais. Enquanto andava, o nevoeiro levantou e a Armona recebeu-me com temperaturas de verão.

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Faltava um par de horas para apanhar o barco para Olhão. Explorei toda a ilha para que pudesse escolher o melhor sítio para fazer praia. Deitado na toalha, no meio de um quase silêncio, abri o meu livro em busca do “outro” silêncio, aquele que sente o jogador de futebol que pontapeia a bola e “não ouve um único ruído, mesmo que o nível do ruído suba como um foguetão”.

Tenho agora todas as condições para encontrar o “outro” silêncio. Mesmo assim, a minha cabeça parecia ainda estar formatada para o ruído. O ruído traduziu-se nas inúmeras solicitações que o meu cérebro recebeu para que fosse ao telemóvel confirmar se tinha notificações. Cedi sempre à tentação. Mas o ruído estava lá. Tal como estava quando tinha de olhar para o relógio para garantir que não perdia o barco.

Cheguei a horas ao cais. Deixei-me ficar para trás na fila. Quando chegou a minha vez tinha apenas uma moeda de dois euros na mão e disseram-me que não era ali que se comprava o bilhete. Tinha de ir a um quiosque que não sabia onde era, mas ninguém me conseguia ajudar a lá chegar. Desesperei, mas pensei sempre que o barco esperaria por mim. Encontrei o sítio, venderam-me o bilhete e corri para a embarcação.

O capitão apitou três vezes e logo seguiu viagem. Despedi-me de cada recanto da ilha com a mesma pressa com que me despedi quando lá fui no verão. Olhei para trás e já não reconhecia sequer as letras grandes do Tolinhas - Bar. Voltarei à ilha, mas primeiro quero voltar a abrir o livro que me levará até ao “outro” silêncio.

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Agradecimentos: Obrigado à Rede Expressos por me ter oferecido a viagem de ida e volta a Faro.

Referências: Kagge, Erling. Silêncio na Era do Ruído

Fui ao ponto mais a Sul de Portugal

Ilha Deserta, Algarve

11.10.23 | Miguel Frazão

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Não, ainda não foi desta vez que escalei o Evereste. Há que começar por celebrar pequenas conquistas. Fui ao ponto mais a Sul de Portugal, que, embora possa parecer, não fica em Sagres. O Cabo de Santa Maria não é difícil de identificar. No meio da Ilha Deserta, em Faro, vários paus de madeira formam um triângulo, decorado com placas também elas feitas em madeira, que indicam a direção do país de origem daqueles que ali vão para fazer um check na sua lista de desejos.

Ainda em Olhão a minha mochila voltou a ganhar forma. Máquina fotográfica, toalha de praia, roupa para trocar, marmitas e necessaire estavam agora nas minhas costas. Avizinhava-se uma viagem de comboio para Faro.

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Quando lá cheguei, o relógio da Sé ainda não assinalava as dez da manhã. Àquela hora o sol parecia querer aconchegar os visitantes da capital de distrito do Algarve, mas esquecia-se de que tinha mão pesada. Mesmo assim, o calor não retirava o entusiamo aos turistas que se contentavam com a simples ideia de tirar uma fotografia junto a um coração em três dimensões, precedido de quatro letras onde se lia, FARO.

Vindo da zona ribeirinha, entrei pela Porta Árabe, passei pelo Largo da Sé e para chegar ao Cais das Portas do Mar havia que sair pela Porta Nova e virar à esquerda. Dividi o caminho até ao ponto mais a Sul de Portugal em duas etapas. A primeira abrangia o percurso de barco entre Faro e a Ilha Deserta. Já a segunda dizia respeito ao trajeto de 1600 metros entre o Cais da Ilha Deserta e o Cabo de Santa Maria.

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Entrei no barco para iniciar a Eco Tour, operada pela Animaris. No percurso até à Ilha Deserta estavam previstas paragens junto aos canais da Ria Formosa para observar as aves que ali vivem. A gaivota, a garça-real e o pilrito são as espécies mais fáceis de encontrar. No silêncio que me acompanhava pensava também nas espécies marinhas que com as alterações climáticas podiam estar a viver com a mesma quantidade de oxigénio do que aqueles que fazem o percurso entre o acampamento 2 e 3 rumo ao topo de Evereste. Estava enganado. Valha-lhes os sapais e ervas marinhas, que, não só purificam a água, como captam e armazenam 40 vezes mais carbono do que as florestas.

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O barco parou no cais e assim que pisei pela primeira vez a Ilha Deserta vi que as minhas expectativas iriam ser correspondidas. É a única ilha-barreira no Algarve não habitada. A ausência de pessoas permitiu-me percorrer o passadiço acompanhado apenas pelas 55 espécies de plantas que integram a ilha. À medida que via as tábuas de madeira do passadiço ficarem para trás, sabia que me aproximava do meu destino – o Cabo de Santa Maria, o ponto mais a Sul de Portugal.

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À chegada tirei uma fotografia. Olhei para a esquerda, para a direita, para a frente e para trás e não havia nada. Ou melhor, deparei-me apenas com uma placa a informar da existência de uma praia naturista. Estava todo um areal reservado para mim. Optei por manter o fato de banho vestido, mas não resisti à tentação de mergulhar numa das águas mais quentes do país.

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Sim, estive numa Ilha Deserta, mas a civilização está à distância de um Ferry. Ainda bem que assim é, senão, talvez ainda hoje estivesse a ser perseguido pelas vespas que por ali andavam. É da maneira que continuo a ter uma certa lucidez para distinguir um cenário de Hollywood da vida real.

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Agradecimentos: Obrigado à Animaris por me ter oferecido a Eco Tour na Ria Formosa, assim como o acesso à Ilha Deserta. Nunca é de mais agradecer ao Alexandre e à Cristina, que me acolhem sempre no AL Casa Grande, em Olhão, permitindo-me conhecer ainda melhor uma das minhas regiões preferidas do país.