O "outro" silêncio
Entre a Fuseta e a Armona, Algarve
“O desconforto de estarmos sós, contendo a língua e limitando-nos simplesmente a ser (…); foi sempre um problema”. É assim que começa o livro que me acompanhou na mais recente viagem ao Algarve e que me incumbiu da tarefa de encontrar o Silêncio na Era do Ruído. Coincidência ou não, naquela manhã de sábado, o autocarro da Rede Expressos que faz a ligação entre Cascais e Faro vinha praticamente vazio. Mas não é desse silêncio que se fala no livro.
Cheguei a Faro com as horas contadas porque em breve teria de apanhar o comboio para a Fuseta (A) e ainda tinha de alcançar o cais, onde iria entrar no barco que me levaria até à ilha. Desejava ver a Antiga Estação Salva-Vidas da Fuseta como quem vai a Paris ver a Torre Eiffel.
“Era um bilhete de ida para a ilha”, pedi. “Vai voltar a nado?”, perguntou-me a senhora. Certamente que não. Iria fazer o percurso a pé pela praia entre a Fuseta e a Armona. Para regressar apanharia o barco na Armona em direção a Olhão. O passeio rondava os 10 Km. Não conhecia bem o trajeto e também não sabia se chegaria à Armona a tempo do último barco.
No barco para a Fuseta, o capitão dizia às poucas pessoas que lá estavam dentro que a ilha agora está praticamente deserta. Não há apoios de praia, estão ondas e a maioria dos que vão, decidem logo apanhar o barco para regressar. O cenário confirmou-se. Comecei a caminhar, mas o nevoeiro impedia-me de ver a meta e não conseguia ter noção de quanto faltava para chegar ao fim.
Cruzei-me com as gaivotas, que se deslocavam em bando entre os vários bancos de areia e com alguns casais que aproveitavam a quase ausência de pessoas para se libertarem das suas roupas e máscaras sociais. Enquanto andava, o nevoeiro levantou e a Armona recebeu-me com temperaturas de verão.
Faltava um par de horas para apanhar o barco para Olhão. Explorei toda a ilha para que pudesse escolher o melhor sítio para fazer praia. Deitado na toalha, no meio de um quase silêncio, abri o meu livro em busca do “outro” silêncio, aquele que sente o jogador de futebol que pontapeia a bola e “não ouve um único ruído, mesmo que o nível do ruído suba como um foguetão”.
Tenho agora todas as condições para encontrar o “outro” silêncio. Mesmo assim, a minha cabeça parecia ainda estar formatada para o ruído. O ruído traduziu-se nas inúmeras solicitações que o meu cérebro recebeu para que fosse ao telemóvel confirmar se tinha notificações. Cedi sempre à tentação. Mas o ruído estava lá. Tal como estava quando tinha de olhar para o relógio para garantir que não perdia o barco.
Cheguei a horas ao cais. Deixei-me ficar para trás na fila. Quando chegou a minha vez tinha apenas uma moeda de dois euros na mão e disseram-me que não era ali que se comprava o bilhete. Tinha de ir a um quiosque que não sabia onde era, mas ninguém me conseguia ajudar a lá chegar. Desesperei, mas pensei sempre que o barco esperaria por mim. Encontrei o sítio, venderam-me o bilhete e corri para a embarcação.
O capitão apitou três vezes e logo seguiu viagem. Despedi-me de cada recanto da ilha com a mesma pressa com que me despedi quando lá fui no verão. Olhei para trás e já não reconhecia sequer as letras grandes do Tolinhas - Bar. Voltarei à ilha, mas primeiro quero voltar a abrir o livro que me levará até ao “outro” silêncio.
Agradecimentos: Obrigado à Rede Expressos por me ter oferecido a viagem de ida e volta a Faro.
Referências: Kagge, Erling. Silêncio na Era do Ruído